O ministro do Interior de Angola, Eugénio Laborinho, louvou hoje a acção das forças de defesa e segurança na zona de Cafunfo, município do Cuango, província da Lunda Norte, que no sábado registou – segundo ele – um “acto de rebeldia e de insurreição”. Fontes próximas do Governo revelaram ao Folha 8 que o Presidente João Lourenço está contra esta posição do ministro. Mas, afinal, quem manda?
Eugénio Laborinho, que falava hoje em conferência de imprensa para esclarecimentos sobre o incidente ocorrido, no sábado, em Cafunfo, que resultou em seis mortos, cinco feridos e 16 detidos, disse que estão na base da situação interesses económicos, nomeadamente o garimpo de diamantes.
O governante angolano disse que cerca de 300 pessoas, divididos em três grupos, atacaram a esquadra da polícia, às 04:00, munidos de “armas de guerra, objectos contundentes, meios artesanais e instrumentos cortantes”, usando “indumentária de rituais tradicionais e supersticiosos”, causado ferimentos a dois agentes da polícia e das forças armadas.
“Não é possível estar num posto a fazer a guarnição e aparecer um grupo armado e atacar o posto. Eu sou o garante da ordem, o que é que vou fazer? Tenho que responder. Se estão a atirar contra mim, com catanas e armas, a resposta é igual e a proporção diferente”, disse Eugénio Laborinho.
O titular da pasta do Interior de Angola lamentou a atitude dos atacantes, reforçando que não havia outra hipótese “se não manter a segurança pública e a ordem no território”.
“A autoridade do Estado tem que ser mantida a todo o custo. Nós apelamos mais uma vez que entendam, compreendam, que a atitude de resposta da polícia foi de acordo à situação surgida no momento”, sublinhou.
Segundo o ministro, “o grupo de rebeldes” não está autorizado por lei a fazer qualquer manifestação, admitindo que no dia 16 de Janeiro, num dia de semana, os mesmos pretenderam realizar uma manifestação contra o governo provincial, mas foram impedidos.
“Já tínhamos domínio [noção] que este movimento que queriam fazer ia dar uma situação fora do normal, uma vez que eles não tinham sido autorizados”, disse.
Eugénio Laborinho disse que entre o grupo de manifestantes, encontravam-se quatro cidadãos da vizinha República Democrática do Congo, dos quais três estão detidos e um foragido, por isso as autoridades não os considerou manifestantes.
“Não podíamos tratar como manifestantes, uma vez que estão muito misturados e as suas intenções e objectivos – o que pretendiam criar – é uma instabilidade social na região. E não foram aceites, foram feitas algumas detenções, depois de ouvidos, o digno procurador soltou-os e não satisfeitos com isso, prepararam as condições para que desenvolvessem uma acção de rebeldia e insurreição armada no dia 30” de Janeiro, explicou.
“Graças à prontidão e à vigilância das nossas forças foram neutralizados, porque eles vinham armados. Com armas de guerra, com meios contundentes em várias direcções. O que constatamos foi um acto de rebeldia e acompanhado de gente estrangeira, em vários grupos”, acrescentou.
O ministro repetiu que atacar uma esquadra policial, um posto de comando militar “é um acto de rebeldia”. Pelo contrário, ser indiferente aos 20 milhões de pobres e tudo fazer para que os angolanos aprendam a viver sem… comer é um acto de patriotismo.
“E a razão da nossa força é a força da nossa razão. Não tivemos outra hipótese se não nos defendermos. E temos de facto que louvar o esforço e o desempenho das forças de segurança e ordem interna, que tudo fizeram para não haver de facto demasiado luto naquela localidade de Cafunfo”, exprimiu.
O governante angolano admitiu que a situação económica naquele município não é das melhores, que o Governo tudo está a fazer nos últimos 45 anos para desenvolver do ponto de vista económico e social e dar o tratamento devido àquela região, mas a situação da Covid-19 (que, pelos vistos, dura igualmente desde 1975) retardou as acções governamentais, que priorizou a saúde.
“Nós sabemos das reivindicações, algumas podem ter as suas razões, mas é preciso o momento certo o governo direccionar acções de desenvolvimento para todas as regiões e particularmente para aquela que é uma província com um estatuto diferente”, disse Laborinho.
De acordo com o ministro não é a primeira vez que tentativas de ataque ocorrem na zona do Cafunfo, “esta é a terceira, quarta ou quinta vez que ocorre”. Provavelmente Laborinho queria ir além das cinco vezes… mas temeu ter de se descalçar se ultrapassasse as dez.
Eugénio Laborinho disse que não existe protectorados em Angola. “Isso é uma farsa e lamentamos os seus seguidores, o Protectorado Lunda Tchokwe não existe”, referiu Eugénio Laborinho sobre os promotores desta manifestação.
“As pessoas dizem não havia necessidade disso, pronto, os polícias eram todos mortos, hasteavam a bandeira do Protectorado Lunda que não existe, que é uma farsa autêntica, iam pedir a independência do sector de Cafunfo e impávidos e serenos o Governo a ver. Não é possível, aqui não, em Angola não vai dar, as forças da ordem não vão dar essa possibilidade a ninguém”, disse.
“Não vamos permitir que o nosso país seja desestabilizado por interferências internas ou externas, não vamos permitir isso”, salientou o ministro, afirmando que não há diálogo “com essa gente”.
Angola tem um governo sério? Só pode ser gralha
João Lourenço já disse que viu roubar, participou nos roubos, beneficiou dos roubos. No entanto, garante que apesar disso tudo não é ladrão… Em Abril de 2020 o Jornal Expansão revelou que o presidente da Assembleia Nacional (AN), Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó” recebia um subsídio de renda de casa de 17 milhões de kwanzas por mês.
Segundo o director do Gabinete de Comunicação e Imagem da Assembleia Nacional, foi tudo uma gralha da AN. Mais ou menos como dizer que “Nandó” tinha dormido com o José Maria quando ele dormira com a Maria José.
“Quanto a um possível subsídio atribuído ao presidente da Assembleia Nacional, o que ocorreu foi uma gralha técnica que resultou na inserção do montante ao qual está referenciado como sendo subsídio de renda de casa, quando deveria ser serviços de manutenção e de conservação”, referiu a anedótica nota da AN.
Assim, a pedagógica nota da Assembleia Nacional integrará, com efeitos retroactivos a 1975, a jurisprudência do MPLA. Por exemplo: a Polícia matou a tiro um jovem de 16 anos que com os irmãos circulava nas ruas da capital de um país que também eles julgavam ser o seu.
O que se passou foi “uma gralha técnica que resultou na inserção” de balas nas armas quando, segundo as instruções do ministro Eugénio Laborinho, deveriam ter sido municiadas com rebuçados e chocolates.
Também é falso que João Lourenço tenha visto roubar, tenha participado nos roubos, tenha beneficiado dos roubos. Tudo não passou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” errada dos verbos ver, participar e beneficiar.
João Lourenço esbanja para seu proveito próprio (e respectivo séquito bajulador) dinheiro que é tirado do erário público? Esbanja. Se não esbanja, alegaremos que se trata de “uma gralha técnica que resultou na inserção” errada dos verbo esbanjar.
A Angola de João Lourenço é um dos países mais corruptos do mundo e com lugar de destaque mundial a nível da mortalidade infantil? É. No entanto, se não for… alegaremos que se trata de “uma gralha técnica que resultou na inserção” errada da… verdade.
Na Angola de João Lourenço, 68% da população é afectada pela pobreza, a taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo, apenas 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico. Esta é a verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção”… de qualquer coisa.
Na Angola de João Lourenço apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, há falta de pessoal e carência de medicamentos. É verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” de dados referentes ao Burkina Faso.
Na Angola de João Lourenço 45% das crianças sofrem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, que a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja o cabritismo, é o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos. É verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” indevida de dados… verdadeiros.
Na Angola de João Lourenço o acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, está limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder. É verdade. Mas se der para o torto, alegaremos que se tratou de “uma gralha técnica que resultou na inserção” de elementos que não foram visados pela censura da PIDE… ou do MPLA (a escola foi a mesma).
A paciência tem limites (não é gralha)
Recordar-se-á João Lourenço que o seu partido/Estado garantiu que “o Governo o seu propósito de materializar o estabelecido nos instrumentos jurídicos, nacionais e internacionais, aplicáveis à protecção e à promoção dos direitos inalienáveis da pessoa humana e da criança em particular”?
Como anedota até não esteve mal. Mas a questão das nossas crianças não se coaduna com os histriónicos delírios de um regime esclavagista que as trata como coisas.
O Governo de João Lourenço, tal como o de José Eduardo dos Santos, é signatário da Convenção sobre os Direitos da Criança e por isso Angola adoptou e incorporou na legislação nacional os princípios estabelecidos naquele instrumento jurídico internacional, no que diz respeito à garantia da sobrevivência e ao bem-estar das crianças.
Assinar convenções, o governo assina, não é senhor general João Lourenço? Cumpri-las é que é uma chatice. Por alguma razão, por cada 1.000 nados vivos morrem em Angola 156,9 crianças até aos cinco anos, apresentando por isso uma das mais altas taxa de mortalidade.
O Governo garante que tem adoptado medidas administrativas, legislativas e de outra natureza, com vista à implementação dos direitos da Criança universalmente reconhecidos e plasmados na Constituição da República, sem distinção de sexo, crença religiosa, raça, origem étnica ou social, posição económica, deficiência física, lugar de nascimento ou qualquer condição da criança, dos seus pais ou dos seus representantes legais.
Muito gosta o regime de João Lourenço de gozar com a nossa chipala, fazendo de todos nós um bando de malfeitores matumbos. Como se não soubéssemos que as nossas crianças são geradas com fome, nascem com fome e morrem, pouco depois, com fome. Isto, é claro, enquanto o rei-presidente do reino do MPLA, aterrou nas Astúrias (recordam-se?) a bordo de “um avião de 320 milhões, com um luxo jamais visto na região, e um séquito gigante”.
“Angola registou avanços consideráveis com o estabelecimento de um quadro legal de referência para a promoção e defesa dos direitos da criança em vários domínios, designadamente com a adopção da Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança, que incorpora os princípios da Convenção dos Direitos da Criança e da Carta Africana e os 11 Compromissos para a Criança, que se constituem, de facto, no núcleo de uma agenda nacional para a criança angolana”, lia-se num dos documentos que acompanham João Lourenço nas suas nababas viagens pelo mundo.
O Governo do reino nababo afirma igualmente que a materialização dos Planos de Reconstrução e Desenvolvimento Nacional, associados às Políticas e Programas de Protecção Social, têm favorecido a melhoria das condições de vida da população e, consequentemente, das crianças angolanas.
Será por isso, senhor general e emérito Presidente João Lourenço, que a esperança média de vida à nascença em Angola cifrou-se nos 52,4 anos, apenas à frente da Serra Leoa, com 50,1 anos?
Diz o regime de João Lourenço que, apesar das condições conjunturais difíceis por que passa a economia nacional e internacional, o Governo vai continuar a desenvolver esforços significativos para reconstruir os sistemas e infra-estruturas sociais, para aumentar a oferta, cobertura e qualidade dos serviços de saúde materno-infantil, para a expansão da educação e para a implementação dos programas de vacinação, de água potável e saneamento, a fim de se verificarem progressos substanciais no Índice de Desenvolvimento Humano.
Convenhamos, por último, que João Lourenço apenas está a fazer o que sempre fez, embora agora tenha todos os poderes. Ou seja, preocupar-se com os poucos que têm milhões para que tenham mais milhões. Quanto aos milhões que têm pouco ou nada, que aprendam a viver sem… comer.
Folha 8 com Lusa